A principal insatisfação que ouvimos dos nossos alunos, principalmente depois um período em que não foi possível praticar no shala, é o facto de não conseguirem manter uma prática regular em casa.
Quando temos um sítio específico, uma hora marcada e um professor à nossa espera para praticar, só temos de arranjar a motivação necessária para sair de casa e tocar à campainha do shala. O resto desenrola-se por si só. Quantas vezes entrámos apenas com o objetivo de mexer o corpo com algumas saudações ao sol e quando despertamos do relaxamento final damos conta que praticámos a nossa sequência completa?
Isto acontece porque ao longo do tempo fomos criando um hábito. Quando entramos num espaço que conhecemos apenas dentro do contexto da prática, a nossa mente associa instantaneamente que está naquele lugar para praticar e a ação mais natural naquele momento é a de estender o tapete e começar. No seu subconsciente, a mente sabe que se vai sentir bem ao fazê-lo, o que faz com que a ação surja sem esforço. No yoga, este hábito, ou impressão mental, chama-se vāsana.
Um vāsana é uma impressão que determinada experiência deixou marcada no nosso subconsciente. Por exemplo, se eu provo um gelado de chocolate e se essa experiência é prazerosa para mim, da próxima vez que eu vir um gelado de chocolate vou-me sentir naturalmente impelido a comprá-lo para que me seja possível sentir outra vez o prazer de o comer.
Compreender este mecanismo é crucial para entender como a prática funciona. Uma das forma de ver a prática de yoga é a de a ver como uma ferramenta que propõe substituir vāsanas nocivos para nós por outros mais alinhados com o nosso bem-estar.
É desta forma, através de uma reeducação cuidadosa do nosso subconsciente, que cultivamos hábitos que sustêm o nosso crescimento. Como inserir aos poucos uma prática de yoga na nossa rotina. Para que a criação deste hábito seja feita de forma sustentável e duradoura, vamos de ter de dar mais importância à qualidade do que à quantidade. A nossa mente tem de se sentir bem com resultado e querer repetir, não pode ser visto como mais uma tarefa igual a tantas outras que vamos ter de enfrentar no resto do dia.
A nossa prática pessoal, como o nome indica, é nossa. É algo íntimo e individual e, acima de tudo, tem de nos fazer sentir bem.
Quando praticamos no shala temos o apoio de um professor e a energia dos outros praticantes à volta. Ter uma prática mais intensa, desafiadora e que ao mesmo tempo acontece de maneira quase orgânica é o resultado de todos esses fatores. Em casa, sozinhos, quando temos tanta coisa mais prazerosa para fazer com aquele tempo, é impossível ter a mesma prática. E está tudo bem. Não é necessário ter uma prática intensa para ter uma prática eficaz que nos ajude a enfrentar os desafios do dia. Cada praticante tem a sua própria receita, tenta encontrar a tua aos poucos. Acende uma vela, ouve uma música que gostes, lê uma passagem de um livro que te inspire a praticar, estende o tapete e compromete-te com pouco. Cinco saudações ao sol e um relaxamento, feitos de forma consistente, vão fazer uma grande diferença nos teus dias. A partir daí podes ir explorando, pelo teu pé, lembrando-te sempre que a prática é só tua e só para ti.
Quando nos apercebemos que há poucas coisas na vida que dão tanto prazer como tirar um tempo para apenas estar com o nosso corpo e respiração, o hábito começa a enraizar-se por si e a resistência que antes sentíamos, passa agora a estar na ideia de saltar um dia de prática! (O que pode ser um problema. Fica para outro post!)